Perspectivas Colaborativas das Humanidades Digitais nas Investigações sobre William Blake |
Pela primeira vez a lume em 2013 pela editora nova-iorquina Routledge, o notável estudo conjunto de Roger Whitson e Jason Whittaker sobre o legado de William Blake – William Blake and the Digital Humanities: Collaboration, Participation, and Social Media – surpreende por sua abordagem que entrelaça estudos literários e perspectivas teóricas das áreas de social media e digital humanities. Em verdade, a obra vislumbra uma proposta de análise e ensino dos fenômenos digitais inspirados na obra de Blake. Mais do que enfatizar a genialidade blakeana, essas manifestações, segundo os autores, amplificam os sentidos, as formas estéticas e a epistemologia do poeta. Por esse caminho, ao mesmo tempo de colaboração e participação na obra blakeana, o poeta é abordado como um fenômeno de social media, isto é, um leit motif provocador de participações ativas do público, tornando-os, consequentemente, em co-produtores e extensores de sua obra.
Se a ausência da nota de contracapa e a capa genérica – a seguir o modelo editorial e o design gráfico da editora Routledge – não permitem entrever o conteúdo da obra, a introdução assinada pelos autores expõe um panorama completo, conciso e claro dos estudos de Whitson e Whittaker que escorrem pelas páginas seguintes. “Introduction: Zoamorphosis and the Digital Humanities” começa por discutir casos de incorporação de Blake para a criação participativa de projetos estéticos e performativos em plataformas digitais (Flickr, Youtube, Twitter, Google Maps) em diferentes formatos (filmes, vídeos, fotos, música, localização topográfica).
Nessa secção introdutória, observa-se a teorização de zoamorphosis: processo que, segundo os autores, define toda a recepção de Blake nos campos de estudos midiáticos e de humanidades digitais. Zoamorphosis [http://zoamorphosis.com/] caracteriza os expedientes de co-criações a que a obra blakeana se permite, em especial pelos sistemas de economia midiática no século XXI, num processo de assimilação, adaptação e transformação.
Na primeira secção, “Archives and Ecologies”, Whitson e Whittaker introduzem, em linhas gerais, o princípio de zoamorphosis na obra de William Blake e a proposta de alguns de seus estudiosos e apreciadores: torná-lo em um leit motif para outras criações em plataformas digitais. Num processo ao mesmo tempo de análise, participação ativa e readaptação, essa iniciativa – a entrelaçar estudos de social media e de digital humanities – elucida o fato de que o princípio da zoamorphosis permitiu à sua obra uma abertura para diversas adaptações.
Os autores, de fato, se propõem a perspectivar as iniciativas colaborativas, tanto em edições impressas quanto em redes sociais e plataformas digitais, que amplificam, de modo participativo, o entendimento e a produção material sobre Blake. Como exemplos, os autores citam um extenso panorama de 'criações blakeanas', tais como: a primeira edição de “Tyger”, por Alexander Gilchrist, em Life of William Blake; as adaptações do hino de Jerusalem (ausente, pois profetizada em Blake) – nos cenários punk da contracultura; e o arquivo digital no Blake Multimedia Project, Blake Digital Text Project, The William Blake Archive e o aplicativo 2011 Blake's Notebook iOS. Todas essas iniciativas, reforçam os autores, reinventam Blake de acordo com a identidade de cada grupo social na contemporaneidade.
O segundo capítulo, “The Tyger”, propõe analisar a criatividade de Blake a partir da observação das audiências. Nesse capítulo, Whitson e Whittaker mostram como o poema mais famoso de Blake reverbera não apenas leituras, mas iluminuras criativas que se acendem em livros, filmes, programas de televisão e comic books. Sua obra, conforme observam, encoraja a revisitação, transformando suas partes em algo sempre novo, sempre ativo, a circular pulsante em diferentes mídias sociais. Aqui, os autores mostram como esses atos de visitação ao Tyger foram cruciais tanto para as leituras de Stanley Fish sobre o poema como uma comunidade interpretativa, quanto para mostrar que a zoamorphosis opera como um plano dinâmico, que possibilita aos artistas estenderem a obra de Blake. Nessa perspectiva, os autores abordam o Tyger como um fenômeno de social media, presente no Fahrenheit 451 de Ray Bradbury, na música gótica e folk de Thelma e Greg Brown, nas imagens de Joel-Peter Witkin e Korshi Dosoo, e na arte de mídia digital de Guilherme Marcondes.
Em “Jerusalem”, observa-se a motivação dos autores em demonstrar como o processo colaborativo de adaptação do Jerusalem se configura como uma atividade de extensão da obra-prima. Mais do que recepção, a criação do hino de Jerusalem – ausente no canto profético de Blake – é um forma de co-produção na composição de Sir Hubert Parry. Mais do que uma música popular, os autores reforçam que o hino serviu de tema e propaganda política. Pelas implicações dessas conexões produtivas, Whitson e Whittaker observam que os eventos de social media sobre Blake já lá estavam antes daqueles manifestos na mídia digital. Muito embora, as novas tecnologias em linha tenham amplificado o alcance, a velocidade das respostas e o número de intervenções.
“Digital Creativity: Teaching William Blake in the Twenty-First Century” ilustra as possibilidades recentes de ensino sobre o poeta. Nessa perspectiva pedagógica aberta pelas humanidades digitais e estudos de mídia, ao invés de reforçar o aspecto mítico-profético de sua obra, professores e discentes estabelecem com tais textos uma relação dialógica: incorporando-os num exercício criativo de participação colaborativa, o que resultam são novas obras que redefinem co-criação textual e análise literária no século XXI. À guisa de exemplificações sobre os exercícios que expoem novas metodologias pedagógicas e perspectivas teóricas sobre o legado de Blake, os autores discutem o caso do projeto Blake 2.0: William Blake and Digital Culture [http://www.palgrave.com/page/detail/blake-2.0-steve-clark/?K=9780230280335]. Desenvolvido por um grupo de pesquisa que contou com a dedicação de professores e estudantes do Georgia Institute of Technology, Blake 2.0 propunha ser um projeto de recriação das ideias, personagens e frases do Milton nos canais do Twitter e do Google Docs.
William Blake, The Book of Urizen, copy G, plate 5. © Library of Congress. |
Whitson e Whittaker defendem que esses projetos buscam codificar os sistemas de pensamento blakeanos, reagrupando-os em forma de database. Como exemplo podemos citar a iniciativa do projeto Blake Archive [http://www.blakearchive.org/blake/]. Esse princípio metodológico estrutural nas humanidades digitais é investigado pelos autores a partir do conceito de ‘cliodinâmica’, patenteado por Peter Turchin. Assunto vasto que se prolonga pelas linhas do penúltimo capítulo – “Blake and His Online Audiences” –, no qual se discute os caminhos abertos pela dinâmica participativa sobre as obras de Blake em salas de aula nos cursos de jornalismo e estudos de mídia.
Por último, o derradeiro capítulo, “Folksonomies and Machine Editing: William Blake's New Aesthetic on Flickr, Wikipedia, and Youtube”, se encarrega dos últimos apontamentos sobre o entrelaçamento de estudos literários, humanidades digitais e estudos midiáticos. O capítulo se centra na emergência de bases de dados em linha sobre Blake, assim como reforça a necessidade de uma taxonomia e curadoria adequadas para o estudo de tais projetos. Segundo os autores, é preciso teorizar as relações atuais entre as novas tecnologias, as políticas editoriais digitais e os códigos da linguagem maquínica. Por fim, “Coda: Dust and Self-Annihilation” conclui as reflexões com alguns pontos fulcrais, a saber: a importância da zoamorphosis e de uma flat ontology (ontologia mais larga e flexível) para a análise consistente de tais projetos. Ao final da obra, o leitor percebe a relevância dos estudos interdisciplinares para uma compreensão mais ampla dos acontecimentos de re-atualização do legado de Blake em plataformas online.
O desafio aceito pelos autores, de fato, deve ser reconhecido, pois permite a problematização de Blake não só como poeta, mas como um fenômeno ativo de social media com larga amplitude de atuação.
Referências URLs:
Blake 2.0:William Blake in Twentieth-Century Art, Music and Culture.
http://www.palgrave.com/page/detail/blake-2.0-steve-clark/?K=9780230280335 [3 mar. 2015].
The William Blake Archive http://www.blakearchive.org/blake/ [3 mar. 2015].
Zoamorphosis http://zoamorphosis.com/ [3 mar. 2015].
© 2015 Caio Di Palma.
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