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Dos Media Computacionais para a Retórica Digital: Novas Perspectivas Teóricas em Humanidades Digitais
Caio Di Palma
CLP | Universidade de Coimbra
Bolseiro da FCT

 

Em 2015 veio a lume, pela imprensa da Universidade de Chicago, uma obra sobre as atuais perspectivas teóricas e retóricas em humanidades digitais. Com uma proposta interdisciplinar, Rhetoric and the Digital Humanities responde à necessidade de investigações mais teóricas sobre a escritura em ambientes virtuais e em plataformas editoriais digitais. Sob coordenação de Jim Ridolfo, professor assistente de retórica e estudos digitais na University of Kentucky, e de William Hart-Davidson, professor de retórica em Michigan State University, a obra reúne 23 ensaios agrupados em três eixos temáticos.

Rhetoric and the Digital Humanities, conforme lemos na introdução assinada pelos editores, objetiva discutir aspectos retóricos inerentes aos processos de escritura e editoração digitais. Tal estudo, em verdade, ascende às primordiais questões levantadas por Susan Hockey (2004) em A Companion to the Digital Humanities, relativas à origem das Humanidades Digitais como estritamente vinculada aos estudos da mídia computacional. Por sua base argumentativa, Jim Ridolfo e William Hart-Davidson incentivam a reflexão teórica sobre um eixo investigativo escasso de aprofundamento nos últimos 30 anos. Segundo os autores, trata-se de aproximar os estudos de humanidades digitais dos estudos retóricos e filológicos, para além das comumente leituras sob a perspectiva dos estudos de mídia ou de tecnologias digitais. Somente nos últimos dez anos, argumentam Ridolfo e Hart-Davidson, amadureceram discussões sobre procedimentos retóricos em ambientes digitais. Em verdade, tal viragem conceitual, prosseguem os autores, está associada com a introdução, nos currículos escolares dos Estados Unidos, de ferramentas pedagógicas e disciplinas metodológicas voltadas para a investigação de textos em plataforma digital.

Sob uma perspectiva interdisciplinar, os editores articularam projetos empresariais e universitários da área de tecnologia da informação com as transformações formais e valorativas na história das Humanidades Digitais. Nesse crescente ambiente técnico de investigação acadêmica, os estudiosos acompanharam a evolução das ferramentas e das técnicas retóricas em plataformas digitais no decorrer do tempo. Na obra organizada por Ridolfo e Hart-Davidson, portanto, observa-se a coletânea de ensaios que traçam um extenso panorama de reflexão sobre: ferramenta tecnológica, táticas discursivas, e metodologias de ensino e de produção retórica nas Humanidades Digitais.

Na primeira secção, intitulada “Interdisciplinary Connections” temos a recolha de sete ensaios que definem o campo de investigação em voga na obra: aquele que entrelaça estudos retóricos e Humanidades Digitais. Nessa primeira parte, os textos discutem a relação entre cultura retórica digital (materialidade bibliométrica) e os seus instrumentos de manipulação argumentativa (softwares e guiões digitais). No primeiro capítulo, por exemplo, coube a Alexander Reid, através de seu “Digital Humanities Now and the Possibilities of a Speculative Digital Rhetoric”, analisar os benefícios críticos da utilização de conteúdos argumentativos da Retórica tradicional nas Humanidades Digitais. Em “Beyond Territorial Disputes: Toward a ‘Disciplined Interdisciplinarity’ in the Digital Humanities”, S. Carter, J. Jones e S. Hamcumpai exploram os mecanismos interdisciplinares que o projeto Remixing Rural Texas NEH ODH utiliza para expandir as questões e os insights sobre o conhecimento do mundo através do cruzamento de dados. Douglas Eyman e Cheryl Ball, por sua vez, em “Digital Humanities Scholarship and Electronic Publication”, analisam a infraestrutura técnica e discursiva de publicações e publicitações digitais em ambiente escolar e acadêmico. Os autores, desse modo, discutem a congruência de três formas pragmáticas de atuação – a técnica, a escolar e a social – necessária para um discurso epistemoló­gico satisfatório nessa relação maquínica de publicações digitais. Por sua vez, fica a cargo de Daniel Anderson e Jentery Sayers as teorizações das relações entre humanidades digitais, retórica digital, estudos de mídia, estudos textuais e literatura eletrônica, em seu iluminativo “The Metaphor and Materiality of Layers”.

A secção 2, intitulada “Research Methods and Methodology” e composta por seis capítulos, articula questões sociológicas e estudos retóricos em Humanidades Digitais. A secção inicia com a discussão qualitativa de Brian McNely e Christa Teston sobre o fundamento da ação retórica nos espaços virtuais. Assim, “Tactical and Strategic: Qualitative Approaches to the Digital Humanities” explora as metodologias retóricas mais utilizadas e mais produtivas para o discurso científico e acadêmico em ambientes virtuais. Por sua vez, em “Low Fidelity in High Definition: Speculations on Rhetorical Editions”, Casey Boyle defende a importância da padronização de uma retórica discursiva para as edições críticas digitais. Boyle, em verdade, argumenta que as edições críticas de textos, sejam digitais ou analógicas, devem partir dos fundamentos hermenêuticos, das regras estruturais e das ferramentas epistemológicas específicas de seu meio. Tal pressuposto teorético de tratamento dos textos digitais será continuado por Krista Kennedy e Seth Long em “The Trees within the Forest: Extracting, Coding, and Visualizing Subjective Data in Authorship Studies”. No ensaio, Kennedy e Long discutem os métodos de análise e o tratamento técnico em textos digitais – “extracting, coding and visualizing data”. Tendo o meio como o norteador dos processos retóricos, os ensaios seguintes da segunda parte aprofundam a discussão sobre os mecanismos computacionais que podem ser utilizados – seja por investigadores, estudantes ou professores – para a análise retórica. Via de regra, esses ensaios dão a conhecer os diferentes métodos de investigação retórica nas Humanidades Digitais.

Por fim, na terceira e última secção, intitulada “Future Trajectories”, dez ensaios oferecem um horizonte investigativo promissor para os estudos de retórica nas Humanidades Digitais a considerar a especificidade computacional do seu meio. Nessa parte, os programas computacionais e as configurações materiais do meio digital são cruciais para as discussões apresentadas. Dentre os ensaios, citamos “Pop-Up Archives” de Jenny Rice e Jeff Rice, e “Tackling a Fundamental Problem: Using Digital Labs to Build Smarter Computing Cultures” de Kevin Brooks, Chris Lindgren e Matthew Warner como textos que exploram pedagogicamente as possibilidades retóricas das ferramentas digitais. Nesses capítulos, os autores analisam o instrumental técnico capaz de criar uma database e um archival impulse das práticas computacionais em determinadas comunidades locais e redes sociais. Por esse mecanismo, ao estabelecerem uma relação entre as práticas de um segmento social e o estudo retórico dos seus interesses argumentativos, os investigadores acabam por discutir questões referentes a engajamento cívico e ético no cyberspace.

Por fim, o legado teórico que deixa a obra organizada por Jim Ridolfo e William Hart-Davidson é a possibilidade de se construir um horizonte teórico para as Humanidades Digitais em que, ao lado dos estudos de tecnologias da informação, se encontram estudos das áreas das Humanidades já consagradas, como a retórica, a ética, a sociolinguística e a antropologia. Com esta obra, Ridolfo e Hart-Davidson abrem um caminho teórico-conceitual para as Humanidades Digitais mais adequado à sua real dimensão: uma transformação, para além das plataformas tecnológicas, dos modos de se discutir e pensar o terreno das Humanidades no tempo tecnológico das culturas.