Os Sertões de Euclides da Cunha: A intervenção de uma “tecnografia” intermidiática e multimodal

Ana Luiza Fernandes

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO
ORCID: 0000-0003-3598-2916

João Queiroz

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
ORCID: 0000-0003-3598-2916

 

 

Não só o olhar do autor científico era aguçado
e direcionado por esse modo de ver,
como ele até parece ter escrito algumas cenas
lembrando e interpretando fotos de Flávio de Barros
Berthold Zilly (1998)

 

I. OS SERTÕES – “INCLASSIFICÁVEL” E INTERMIDIÁTICO

Os Sertões, de Euclides da Cunha, “único, no seu gênero, se atender-se à que reúne a uma forma artística superior e original, uma elevação histórico-filosófica impressionante” (Júnior, 1904: 33-71). Publicado pela editora Laemmert, em dezembro de 1902 [1] a obra contém “desenhos de paisagens e mapas geológicos, botânicos e geográficos como ilustrações, além de fotografias do conflito feitas por Flávio de Barros” (Ventura, 2002). A que gênero literário pertence Os Sertões? Poucos dias após sua publicação, José Veríssimo sugeria, no Correio da Manhã: trata-se de uma “obra de literatura, história e ciência, iniciando um padrão de interpretação sustentado por muito tempo” (Ventura, 2002) [2]. Sua resistência a formas ortodoxas de classificação incluem do jornalismo científico ao romance regionalista, romance-poema-epopéia (Coutinho, 1952), ensaio crítico histórico (Oliveira, 1983), sociológico (Freitas, 1904 [1902]), geográfico (Azevedo, 1950), prosa-poética versificada (Queiroz, 2014; Augusto de Campos, 1997), panfleto (Sena, 1963), epopéia naturalista (Chaves, 1966), tragédia (Proença, 1971), obra de ficção (Coutinho, 1995), obra de arte verbal (Haroldo de Campos, 1997: 55), obra de arte (Zilly, 2002), forma híbrida (Gutiérrez, 2015), entre outras. Para Bosi, “é preciso ler esse livro singular sem a obsessão de enquadrá-lo em um determinado gênero literário, o que implicaria em prejuízo paralisante. Ao contrário, a abertura a mais de uma perspectiva é o modo próprio de enfrentá-lo” (2003: 309). Segundo Ventura, sua “singularidade advém da aliança incomum entre narrativa, história e ciência” (2003: 201). Para Haroldo de Campos, ele “corporifica” uma “transgressão de gêneros” – “epos atravessado de crônica bélica factual e de ensaio antropocultural e mesológico” (1997: 53).

Mas a obra de Euclides não resiste apenas a protocolos de categorização sobre o gênero a que pertence. Trata-se, também, de um desafio classificá-la entre os períodos estilísticos conhecidos. Para Merquior, “[a] linguagem rutilante, o culto do vocábulo raro aparentam a prosa de Euclides ao parnasianismo” (1979: 196). Coelho Neto, “príncipe dos prosadores parnasianos”, teria comemorado calorosamente as “ornamentações” de Euclides. Mas esta similitude é apenas superficial – “[a] frase contundente, angulosa, convulsa de Euclides, singularizada pela elasticidade da sintaxe assindética (quase sem conectivos), dos crescendos dramáticos e dos ritmos espasmódicos, supera de longe o decorativismo mecânico do parnasianismo” (Merquior, 1979: 196). Sua posição parece mais próxima do fenômeno barroco, razão provável, segundo Haroldo de Campos, de uma certa avaliação, “no juízo conjugado de Antônio Candido e Aderaldo Castelo”, que vê “propensão para o mau gosto e desequilíbrio, sendo às vezes obscuro por excesso vocabular” (1997: 51). Trata-se, para Bosi, de um “barroco científico”, “se em ‘barroco’ visualizamos, antes de mais nada, um conflito interior que se quer resolver pela aparência, pelo jogo de antíteses, pelo martelar dos sinônimos ou pelo paroxismo do clímax” (2003: 310). Os conflitos, embates e tensões, observados por Bosi, repercutem em muitos níveis – “Os Sertões são um livro de ciência e de paixão, de análise e de protesto” (Bosi, 2003: 309) –, criando o que Merquior chama de “alta voltagem”: “é que a prosa euclidiana é um caso de ‘escrita artística’ de alta voltagem, um idioma impressionista carregado de explosividade, porque embebido num pathos apocalíptico” (1979: 197). As metáforas para descrição dos efeitos obtidos pela prosa de “alta voltagem” de Euclides são, com frequência, intermidiáticas e multimodais [3]. Ela é comparada à escultura, à pintura, ao teatro, ao cinema, e, mais raramente, à fotografia (“mágica fotometria”, Oswald de Andrade, 2002 [1943]). Para Bosi, “o flagelo das secas propicia ao escritor os momentos ideais para pintar com palavras de areia, pedra e fogo o sentimento do inexorável” (2003: 310). Há quem as combine. Segundo Merquior, “[a] solenidade de Euclides é monumentalidade dramática; Euclides é de fato ‘escultural’ – mas escultural à Rodin” (1979: 197). Uma dinâmica barroca, e expressionista, entre a “imobilidade tensa” e a “intensa movimentação”, é salientada por Zilly, tradutor de Os Sertões para o alemão: “em Euclides [...] o movimento é flagrado em quadro imóvel, mas de uma imobilidade tensa, dinâmica, prestes a desatar-se, quase explosiva, como, por exemplo, na descrição dos quadros da natureza morta” (2002: 197). Estão combinados, para Zilly, “cenas de intensa movimentação”, “flagrantes, chapas batidas em peripécias, de modo que a arte dramática se torna pictórica e a arte plástica, dramática”. Segundo Merquior, encontramos técnicas proto-cinematográficas – “Repare-se na expressiva posição do sujeito da última frase (o vaqueiro), que a ‘câmera’ de Euclides só focaliza em close depois de um travelling arrebatador” (1979: 197):

E sobre este tumulto, arrodeando-o, ou arremessando-se impetuoso na esteira de destroços, que deixa após si aquela avalancha viva, largado numa disparada estupenda sobre barrancas, e valos, e cerros, e galhadas – enristado o ferrão, rédeas soltas, soltos os estribos, estirado sobre o lombilho, preso às crinas do cavalo – o vaqueiro!

Em nossa argumentação, a obra de Euclides pode ser descrita como um projeto multimodal e intermidiático, e como um fotolivro de literatura. Muitas implicações resultam dessa asserção. Os Sertões são um projeto de “literatura híbrida”. Associado a aparatos tecnocientíficos recém-inaugurados (audácia que tende a ser subestimada pela historiografia e crítica literárias), trata-se de uma experiência intermidiática de literatura expandida. Outros autores já chamaram atenção para esse fenômeno, mesmo que timidamente.

As expansões da literatura (utilizando termo cunhado por Rosalind Krauss para falar da escultura) são variadas e não acontecem apenas a partir dos anos 1950, senão vem acontecendo, em experiências isoladas, desde o início do século XX – a primeira edição de Os Sertões, de Euclides da Cunha, de 1902, por exemplo, tinha fotografias da Guerra de Canudos, que em edições posteriores foram suprimidas. (Etcheverry, 2016: 497)

Zilly, ao discutir as tensões criadas por Euclides, sugere que o autor “faz empréstimos de outras artes, principalmente à pintura e ao teatro”, criando “uma espécie de Gesamtkunstwerk, uma obra de arte totalizadora, intermedial, intersemiótica, embora construída com palavras escritas apenas, dentro da literatura cientifizada ou ciência literaturizada” (2002: 195). Algo chama nossa atenção aqui, que está no próprio núcleo de nosso argumento – Zilly ignora as fotografias de Flávio de Barros como componentes estruturais, e sugere que trata-se de uma obra intersemiótica “embora construída com palavras apenas”, o que é certamente um equívoco. A obra, além de fotos, possui um desenho, e mapas multiautorais. Não nos parece surpreendente que a importância dedicada por Euclides aos mapas tenha sido enfatizada justamente por um geógrafo, Aroldo Azevedo – “[n]em mesmo a cartografia foi colocada em plano secundário por Euclides da Cunha, quando muito bem poderia tê-la deixado no esquecimento, sem que os contemporâneos sentissem pela ausência” (1950: 27). Iniciamos a leitura da obra através de um mapa (“Esboço Geológico”), o que não é fortuito. Euclides teria adotado, para Ventura (1998), “o ponto de vista do viajante em movimento, que dá expressão artística ou científica à paisagem”, em diálogo “com a tradição dos relatos de viagem e das expedições científicas” [4]. Segundo Santana (1998),

[ao] optar pelo mapa como elemento de recepção ao leitor, Euclides da Cunha nos dá a conhecer aqueles que serão seus interlocutores ao longo do livro: os viajantes naturalistas e cientistas, apresentados como autores do mapa. O que vamos encontrar em seguida é um imenso diálogo a muitas vozes, mediado pelo narrador. A apresentação destes viajantes naturalistas e cientistas, e mais outros que aparecerão ao longo do texto; outros três mapas, com ou sem atribuição de autoria; um desenho de trecho das caatingas e três fotografias, encontram-se distribuídos em Os Sertões.

As edições supervisionadas por Euclides (1902, 1903, 1905) possuem três fotografias de Flávio de Barros, um desenho de paisagem (“Um trecho das caatingas”) de Van-Ingen Snyder (1857), e quatro mapas, de diversos autores. Além de intermidiático, Santana (1998) sugere que trata-se de uma obra multiautoral – “o prof. José Calasans anotou que ‘não estaria longe da verdade quem disser que Os Sertões são um livro de equipe. Uma obra de muitos colaboradores’. No que diz respeito ao conteúdo geológico, acredito que a afirmativa encontra terreno fértil”. Na preparação da série de artigos, “A nossa Vendéia”, para o jornal O Estado de São Paulo, que antecede e antecipa a elaboração d'Os Sertões [5], Euclides teria se encontrado, em diversas ocasiões, com Teodoro Sampaio, que teria feito ajustes e correções importantes “em questões de geografia e geologia” (Ventura, 2003: 148). Tais encontros têm uma relevância especial aqui – deles resultam familiarização com o mapa geográfico de abertura da obra. Segundo Ventura (2003: 187),

[o] engenheiro Teodoro Sampaio, que ajudou a organizar a Escola Politécnica de São Paulo, forneceu a Euclides trabalhos e mapas sobre a região do Vaza-Barris, então desconhecida. É mencionado em Os Sertões como autor da carta geológica da Bahia, reproduzida no livro. Teodoro tinha viajado pela Bahia em 1878 como membro da Comissão Milners Roberts, junto com Orville Derby, tendo publicado o diário desta viagem em “O rio São Francisco e a Chapada Diamantina”. Foi um dos interlocutores de Euclides durante a escrita de Os Sertões, que o visitara aos domingos, quando ainda residia em São Paulo, para ler os capítulos sobre geologia e topografia, com referências aos trabalhos de Harty e Derby.

A importância de Teodoro também é enfatizada por Azevedo (1950: 24-25):

A influência de Teodoro Sampaio a respeito do que existe de geográfico em Os Sertões parece ter sido realmente notável. Forneceu-lhe mapas inéditos do nordeste da Bahia, transmitiu-lhe numerosos apontamentos de caráter histórico, deu-lhe tudo quanto pudera recolher em sua famosa viagem à Chapada Diamantina e ao vale do São Francisco, como um dos componentes da missão chefiada por Milnor Roberts. Fêz mais: teve a felicidade de ouvir, em primeira mão, dos próprios lábios do escritor, a leitura dos originais, em tertúlias domingueiras, numa atmosfera certamente repleta de cultura, nas quais fez a crítica e discutiu muitos trechos do livro. Não se trata, aqui, de suposições; o próprio Teodoro Sampaio relatou tudo isso, em trabalho publicado na “Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia” (n° 45: 1919).

 

II. FOTOGRAFIAS, MAPAS, DESENHO – POSIÇÕES E CO-LOCALIZAÇÕES

Comparamos as três primeiras edições supervisionadas por Euclides, além da décima segunda edição, de 1933 [6], e a edição crítica de Walnice Galvão, de 2016. Indicamos as páginas nas quais aparecem mapas, fotos e desenho. As tabelas 1 e 2 (abaixo) permitem comparar diferenças importantes entre as edições, e o cuidadoso trabalho de construção de um projeto que preserva as posições das imagens na obra. Trata-se de um projeto minucioso, executado com o propósito de preservar as relações texto-imagem [7]. Euclides explora relações intermidiáticas locais, e a principal evidência é a manutenção das posições relativas texto-imagens, na macroestrutura do livro. Chamaremos essa propriedade de “co-localização” – é mais crucial a posição relativa (posição de X em relação a Y) de imagem e texto, do que suas posições “absolutas”, em termos de paginação. Evidentemente, a possibilidade de alterar a paginação pode representar uma alteração das relações de co-localização texto-imagens.

Galvão está atenta às diferenças de paginação – “Há diferenças na numeração das páginas que encartam as ilustrações, entre a 1ª edição, de um lado, e a 2ª e 3ª, de outro. Essas diferenças, [...] mantêm inicialmente a mesma numeração para a 2º e 3º, mas distanciando-as da 1º a partir das três primeiras ilustrações” (2016b: 27), – e à motivação que orienta o posicionamento das imagens – “O motivo exclusivo disso é o maior número de páginas da 1º edição. Na 2º e 3º, as ilustrações tiveram numeração cuidadosamente deslocada, de modo a que ficassem exatamente nos mesmos trechos do texto” (Galvão, 2016b: 27) [8]. Embora atenta à co-localização texto-imagem, na edição crítica de 2016 os textos que antecedem e que sucedem as imagens (mapas, desenho, fotos) não correspondem àqueles observados nas três primeiras edições. Há deslocamento das imagens, alterando as relações de co-localização. Além disso, todas as imagens dessa edição (Galvão, 2016a) foram impressas nas páginas, um formato distinto das muitas edições consultadas, em que as imagens funcionavam como encartes, situadas entre as páginas. 

Galvão (2016b: 15, 16, 18, 20), ao analisar o posicionamento das imagens nas primeiras edições, usa o termo “encarte” para se referir ao tipo de impressão utilizada (páginas não numeradas posicionadas entre as páginas com texto d’Os Sertões) contendo os mapas, o desenho e as fotografias. Ela utiliza os termos “encarte com mapa”, “encarte com desenho”, “encarte com fotografia” e “encarte folder com mapa”, para designar aqueles em que as páginas se abrem em dípticos. Usamos aqui a mesma nomenclatura.

 

Desenhos
e Mapas

1ª edição
1902

2ª edição
1903

3ª edição
1905

12ª edição
1933

edição
2016

mapa Esboço
Geológico

entre p.2-3

entre p.2-3

entre p.2-3

entre
p.2-3

p.16

mapa Esboço
Geográfico do
sertão de Canudos

entre p.22-23

entre p.22-23

entre p.22-23

entre
p.22-23

p.40-41

desenho Um trecho das caatingas

entre p.42-43

entre p.42-43

entre p.42-43

entre
p.42-43

p.55

mapa Distribuição da flora sertaneja

entre p.72-73

entre p.72-73

entre p.72-73

entre
p.72-73

p.74

mapa Canudos
e suas cercanias

entre p.190-91

entre p.186-87

entre p.186-87

entre p.184-85

p.200-01

Tabela 1. Mapas e desenho d’Os Sertões, das edições de 1902, 1903, 1905, 1933 e 2016, conforme Walnice Galvão (2016b: 15-16, 18-20).

 

Fotografias
(Barros)

Legendas
(Barros e Euclides)

1ª edição
1902

2ª edição
1903

3ª edição
1905

12ª edição
1933

edição 2016

Divisão Canet
Monte-Santo: Base de operações

entre p.546-47

entre p.526-27

entre p.526-27

entre p.528-29

p.475

7º Batalhão de
Infanteria nas
trincheiras

Acampamento
dentro de Canudos

entre p.564-65

entre p.542-43

entre p.542-43

entre p.544-45

p.489

400 jagunços
prisioneiros

As prisioneiras

entre p.626-27

entre p.604-05

entre p.604-05

entre p.604-05

p.545

Tabela 2. As três fotografias d’Os Sertões, edições 1902, 1903, 1905, 1933 e 2016, conforme Walnice Galvão (2016b: 15-16, 18-20).

 

As tabelas exibem, como mencionamos, a posição das imagens. Nas próximas seções, introduzimos cada uma, individualmente, destacamos sua importância no projeto euclidiano, e a propriedade mais relevante de co-localização texto-imagem, em cada caso.

 

III. A Terra e O Homem – sobre os mapas e o desenho

Três imagens (dois mapas e um desenho), das oito encontradas nas primeiras edições do livro, aparecem na primeira parte, “A Terra”. A primeira é o mapa “Esboço Geológico” (Figura 1), que abre o livro.

 


Figura 1. “Esboço Geológico” (encarte com mapa, edição de 1933).

 

Esse encarte com mapa situa-se entre as páginas 2 e 3, na primeira, segunda, terceira e décima segunda edições. Na edição crítica de 2016, o mapa está impresso na página 16. Sobre ele, Santana (1998) afirma: “Antecedendo o texto encontra-se um encarte contendo um mapa do estado da Bahia, intitulado Esboço Geológico, com autoria atribuída a autores diversos, correspondendo a uma síntese feita por Euclides da Cunha a partir de informações daqueles”. Resultado da compilação de diversos mapas, de muitos geógrafos, ele é multiautoral – “É o Esboço Geológico, estribado em nada menos de 15 autores, que Euclides menciona com absoluta honestidade” (Azevedo, 1950: 27). Santana nos informa, em nota de rodapé (1998: nota 4), sobre seus autores: 

Os nomes do príncipe de Neuwied, Spix e Martius, Ayres de Casal, Gardner e Burton podem ser relacionados com a fase de implantação das ciências no Brasil que Dantes (1988: 265-75) considera marcada pelo iluminismo e pela tradição naturalista, que teria prevalecido até meados do século XIX. Halfeld, Hartt, Allen, Bulhões, Rathbun, Derby, Wells e Teodoro Sampaio, por sua vez, estariam relacionados à fase de introdução das ciências experimentais, que teria atravessado a segunda metade do século XIX e se estenderia até por volta da década de 1920.

Sobre o texto que antecede e sucede o primeiro mapa, sua co-localização é a mesma em todas as edições consultadas, logo após a abertura de “A Terra” (Galvão, 1985: 89): “O planalto central do Brasil desce, nos litorais do Sul, em escarpas inteiriças, altas e abruptas [...]” (Cunha, 1902: 3; 1903: 3; 1905: 3; 1933: 3; 2016: 17).

A segunda imagem, “Esboço Geográfico do sertão de Canudos” (Figura 2), situa-se entre as páginas 22 e 23, na primeira, segunda, terceira e décima segunda edições, e nas páginas 40 e 41 na edição crítica de Galvão (2016a). O mapa detalha o complexo hidrográfico e relevo da região – “É o Esboço Geográfico do Sertão de Canudos, com a rede hidrográfica e os aspectos essenciais do relevo, representados em hachuras” (Azevedo, 1950: 27).

 


Figura 2. “Esboço Geográfico do sertão de Canudos” (encarte folder com mapa, edição de 1933).

 

Nas primeiras edições consultadas (1902, 1903, 1905, e na edição de 1933), a imagem é um encarte folder com mapa, abrindo em díptico, extrapolando os limites do livro. Na edição de Galvão (2016a), o mapa está impresso ocupando páginas par e ímpar. Na primeira, segunda, terceira e décima segunda edições, o encarte folder com mapa é posicionado logo após o início da subparte II. Em co-localização, no início da subparte II (Do alto de Monte-Santo), lemos: “Do alto da Serra de Monte Santo attentando-se para a região, dilatada em torno num raio de quinze leguas, nota-se, como num mappa em relevo, a sua conformação orographica.” (Cunha, 1933: 22; 1905: 22; 1903: 22; 1902: 22). Na edição de 2016, o mapa é impresso no meio da subparte III, não preservando a co-localização texto-imagem estabelecida nas primeiras edições.

O encarte com desenho, “Um trecho das caatingas” (Figura 3), é uma xilogravura de Van-Ingen Snyder. Ela aparece entre as páginas 42 e 43 na primeira, segunda, terceira e décima segunda edições, e na página 55 na edição de Galvão (2016a). O desenho foi publicado, originalmente, no livro Brazil and the Brazilians portrayed in historical and descriptive sketches, de Kidder e Fletcher, em 1857 [9]. Sobre a co-localização desenho-texto, ela é preservada nas edições consultadas, diferindo apenas na edição de 2016: “A dureza dos elementos cresce, entretanto, em certas quadras, ao ponto de os desnudar: é que se enterroaram há muito os fundos das cacimbas, e os leitos endurecidos das ipueiras mostram, feito enormes carimbos, em moldes, os rastros velhos das boiadas; e o sertão de todo se impropriou à vida” (Cunha, 1933: 42; 1905: 42; 1903: 42; 1902: 42).

 


Figura 3. “Um trecho das caatingas” (encarte com desenho, edição de 1933).

 

Na segunda parte, “O Homem”, há dois mapas. O primeiro, “Distribuição da Flora Sertaneja” (Figura 4), é um encarte com mapa que aparece entre as páginas 72 e 73, na primeira, segunda, terceira e décima segunda edições, e na página 74 da edição crítica de 2016 – “é a Distribuição da Flora Sertaneja, com a representação das grandes paisagens botânicas do Estado da Bahia e, o que não é desprezível, o traçado dos velhos caminhos do nordeste baiano” (Azevedo, 1950: 27). É preservada a co-localização texto-imagem, nas edições comparadas (1905, 1933):

A natureza empobrece-se; despe-se das grandes mattas; abdica o fastigio das montanhas; erma-se e deprime-se – transmudando-se nos sertões exsiccados e bárbaros, mal recortados de rios ephemeros, e desatados em chapadas nuas, succedendo-se, indefinidas, formando o palco desmedido em que se desenrolam os quadros dolorosos das seccas. O contraste é empolgante” (Cunha, 1933: 72; 1905: 72; 1903: 72; 1902: 72).


Na edição de Galvão (2016a), o mapa abre a segunda parte, “O Homem”, antecedendo o início do texto.

 


Figura 4. “Distribuição da flora sertaneja” (encarte com mapa, edição de 1933).

 

“Canudos e suas cercanias” (Figura 5) é um encarte folder com mapa – “É o próprio mapa de Canudos e suas cercanias, repleto de pormenores” (Azevedo, 1950: 27). Sua autoria é atribuída, por Euclides, à Comissão de Engenharia da Quarta Expedição – “De acordo com a planta levantada pela Comissão de engenharia junto à última expedição” (1905: 185). Quanto à paginação, ela oscila nas diversas edições. Na primeira edição (1902), o mapa aparece entre as páginas 190 e 191; na segunda (1903) e terceira (1905) edições, entre as páginas 186 e 187; na décima segunda (1933), entre as páginas 184 e 185. Por fim, na edição crítica (2016), o mapa é impresso ocupando duas páginas, 200 e 201.

 


Figura 5. “Canudos e suas cercanias” (encarte folder com mapa, edição de 1933).

 

Sobre sua co-localização, há variações importantes entre as edições comparadas. Na edição de 1905, lemos – “A um lado, perto e dominante, um contraforte, o morro dos Pellados, termina de chofre em barranca aprumada sobre o rio e este, dalli por deante progredindo numa inflexão forte para montante, [...]” (Cunha, 1905: 186). Na edição de 1933, foi deslocado o mapa em duas páginas, antecipando sua leitura, posicionando-o depois de Canudos “visto de longe”: “A urbs monstruosa, de barro, definia bem a civitas sinistra do erro. O povoado novo surgia, dentro de algumas semanas, já feito ruinas. Nascia velho. Visto de longe, desdobrado pelos comoros, atulhando as canhadas, [...]” (Cunha, 1933: 184).

 

IV. A LUTA – FOTOGRAFIAS DE FLÁVIO DE BARROS

A fotografia, como artefato narrativo e documental, foi popularizada nos anos 1880s e 1890s. Segundo Silva-Fath, “só nas últimas duas décadas do século XIX, que a fotografia ganha inovações determinantes para sua existência como suporte para difusão e democratização da imagem no mundo ocidental” (2016: 122). Muitos dos avanços mais importantes, permitindo seu uso em expedições de campo, incluíram o advento de câmeras de pequeno porte, lentes mais leves, e emulsões mais sensíveis, aliviando o fotógrafo do peso do equipamento anterior – foi “a descoberta do filme de rolo de celulóide, pela Kodak, em 1889, que viabilizou a redução do tamanho e o peso dos equipamentos fotográficos” (Silva-Fath, 2016: 123). Como um artefato móvel, de fácil manipulação em expedições, mais barato que seus pesados antecessores, a “máquina fotográfica” é capaz de transformar, de forma inédita, fatos e eventos em registro estável e duradouro. Ao mesmo tempo, seus resultados podem se associar a outros sistemas e processos semióticos, por exemplo, impressos, através de novas técnicas litográficas, como no “jornalismo ilustrado” (Kittler, 2002: 175). Como tecnologia documental, a fotografia torna-se, no final do século XIX, imprescindível no relato jornalístico (Hicks, 1952), e de guerra (Andrade, 2004). Entre as guerras documentadas fotograficamente, no século XIX, estão a guerra da Criméia (1853-1854) [10], a guerra civil norte-americana (1861-1865), e a guerra do Paraguai (1864-1870) [11], além da Revolta da Armada, deflagrada em 1893, no Rio de Janeiro [12]. Segundo Toral, “até a Guerra do Paraguai, nunca se tinha visto imagens de tropas do Brasil combatendo, muito menos no exterior” (1999: 295).

É difícil ter uma ideia precisa, hoje, do impacto produzido pela popularização da fotografia, no fim do século XIX, como tecnologia (social, cognitiva, semiótica) de suporte à documentação histórica. Para Almeida (2002: 271), 

a fotografia, ao mesmo tempo que era um dos emblemas da modernidade, uma das descobertas que afirmavam o progresso das ciências, também foi fetichizada enquanto olho da história, condicionante fundamental para compreendermos seu uso social no período, especialmente sua utilização visando o registro de eventos sociais variados ao longo da segunda metade do século XIX. Apelar para o realismo fotográfico foi, por exemplo, uma das soluções apontadas por Machado de Assis diante do que considerava uma perseguição contra Antônio Conselheiro e sua gente, fundada em notícias ainda pouco confiáveis.

Na coluna A Semana, Machado de Assis duvidava das ameaças de Canudos, e protestava contra uma “perseguição ao grupo de Antônio Conselheiro” [13]. Em sua coluna de 31 de janeiro de 1897, ele alertava sobre a necessidade de uma cobertura intermidiática de Canudos – “nenhum jornal mandou ninguém aos Canudos”, alguém como “um repórter paciente e sagaz, meio fotógrafo ou desenhista, para trazer as feições do Conselheiro, e dos principais subchefes, podia ir ao centro da seita nova e colher a verdade inteira sobre ela”. Euclides satisfazia todos os critérios sugeridos por Machado – engenheiro-escritor “meio fotógrafo ou desenhista”. Autor de desenhos e croquis (Andrade, 2009), ele havia adquirido uma Kodak portátil, que levou à expedição e que utilizou, como sabemos através de sua Caderneta de Campo (Andrade, 2009: 76) – “Fotografei esse lugar insípido. Flora jasmim dos tabuleiros e Mandacaru (Tamarineiro)” –, e do jornalista Alfredo Silva, correspondente do jornal A Notícia – “Durante a subida [à igreja de Monte Santo], Euclides tirou, com uma máquina portátil, fotografia de alguns pontos de Monte Santo”. Infelizmente, “as fotografias tiradas por Euclides da Cunha na região de Canudos nunca foram encontradas” (Ventura, 2003: 168).

É através de Flávio de Barros que conhecemos imagens de Canudos. Sabe-se pouco sobre Barros, um dos fotógrafos expedicionários [14], e o único a produzir um acervo fotográfico do confronto. Sabemos que ele possuía um estúdio de retratos em Salvador (Rua do Lyceu, 3), e que era proprietário do estabelecimento Photografia Americana (Rua da Misericórdia). Também sabemos que havia se dedicado à pintura (Burgi, 2015). Não são conhecidos os negativos de Canudos. Barros provavelmente usou “placa seca”, ou negativos de vidro de gelatino-brometo de prata que, diferente do colódio úmido, podia ser preparado com antecedência, facilitando seu transporte e manuseio. A produção de cópias foi feita em papel albuminado, proporcionando uma extensa gradação de tons. Ele trabalhou com modelos-padrão de negativos, especialmente 18cm x 24cm, e 12cm x 18cm. Suas fotos foram finalizadas em Salvador (Almeida, 2002: 278) [15]. A instalação de um laboratório de campanha, em Monte Santo ou Canudos, teria sido um complicado empreendimento, devido às variações bruscas de temperatura, entre o dia e a madrugada, e a grande quantidade de equipamento exigido. Os resultados, conservados até hoje no Museu da República, no Rio de Janeiro, foram obtidos por Barros em dois formatos: 17,5cm x 23,8cm (quinze imagens) e 12,2cm x 17,1cm (cinquenta e quatro imagens).

Flávio de Barros fora contratado pelo Exército para registrar a quarta expedição, sob comando do general Artur Oscar de Andrade Guimarães. Barros parte de Salvador, em 30 de agosto de 1897, e chega a Canudos em 26 de setembro, onde permanece até 12 de outubro. Suas fotos são tomadas em arranjos cenográficos, com personagens que posam imóveis, não havendo sequer uma foto do confronto. Isso deve-se a razões técnicas e a exigências militares. Utilizando placas secas, o tempo necessário de exposição, em boas condições de luminosidade, diminuíra de 10 a 20 segundos, quando baseado em colódio, para cerca de 1 segundo. Ainda assim, dificilmente seria possível obter imagens nítidas de movimento neste intervalo de exposição.

Tanto em Canudos quanto no Contestado, a tecnologia militar impedia a captação de instantâneos de guerra. Logo, era preciso aguardar o momento de calmaria, solicitar autorização do oficial responsável pela tropa e contar com a colaboração dos soldados e oficiais para posicionar-se adequadamente e fazer o registro fotográfico. Não é por acaso, portanto, que todas as imagens de guerra mencionadas até o momento (Paraguai, Armada e Canudos) foram captadas após a vitória militar. (Rodrigues, 2014: 393)

Quase todas as imagens de Barros são laudatórias – oficiais e praças posam orgulhosos nas fotos, jagunços e aldeãs são tratados respeitosamente. Não se vê os horrores dos confrontos, prisioneiros e prisioneiras mortos, violentamente capturados, executados depois de rendidos. Entre os mortos, vemos Conselheiro exumado – “fotografaram-no depois. E firmou-se uma ata rigorosa firmando sua identidade: importava que o país se convencesse bem de que estava, afinal extinto, aquele terribilíssimo antagonista” (Cunha, 1905: 610) [16]. A fotografia de Conselheiro [17] não integra Os Sertões.

A primeira (Figura 6) das três fotografias que compõem a última parte, “A Luta”, é intitulada por Flávio de Barros de “Divisão Canet” [18]. No livro, ela recebe o título de “Monte-Santo (Base de operações)”. Na foto, onde vemos o “canhão de tiro rápido Canet 150mm [...] peça de artilharia que não chegou a Canudos” (Oliveira, 2002: 72), a Divisão de Artilharia Canet encontra-se na base de operações em Monte Santo. Na primeira edição, esse encarte com foto situa-se entre as páginas 546 e 547 (ver Tabela 2). Na segunda e terceira edições, entre as páginas 526 e 527, e na décima segunda edição, entre as páginas 528 e 529. Lemos, antes da foto, na terceira edição (1905): “E a empreza perdia repentinamente a feição heróica, sem brilho, sem altitude. Os narradores futuros tentariam em vão vela-la em descripções gloriosas. Teriam em cada pagina, indestructiveis, aquelles palimpsestos ultrajantes” (Cunha, 1905: 526). Esse trecho também antecede a fotografia na edição de 1933. A co-localização texto-imagem é, portanto, preservada. Na edição de 2016, a foto está impressa na página 475, e o texto acima não antecede a foto, situando-se na página anterior, 473.

 


Figura 6. “Monte-Santo (Base de operações)” (encarte com fotografia, edição de 1933).

 

A segunda foto, intitulada por Flávio de Barros “7º Batalhão de Infanteria nas trincheiras” [19], aparece no livro como “Acampamento dentro de Canudos” (Figura 7). Na primeira edição, é um encarte com foto situado entre as páginas 564 e 565. Na segunda e terceira edições, entre as páginas 542 e 543, e na décima segunda edição, entre as páginas 544 e 545. Na edição de 2016, a foto está impressa na página 489 (ver Tabela 2). O texto que antecede a fotografia na terceira edição é o mesmo que lemos na décima segunda, mesmo diferindo a paginação: “Avezados às proporções exíguas das cidades sertanejas, tolhiças e minúsculas, assombrava-os aquella Babylonia de casebres, avassallando collinas” (1933: 542; 1905: 544).

 


Figura 7. “Acampamento dentro de Canudos” (encarte com fotografia, edição de 1933).

 

A última das três fotografias (Figura 8), feita no dia 3 de outubro de 1897 (Galvão, 2001: 97) é “um dos registros mais emblemáticos dos conflitos e contradições da sociedade brasileira na passagem do Império para a República” (Burgi, 2015). Ela diverge significativamente das outras imagens de Barros, em sua totalidade – “ao contrário das imagens oficiais e posadas de diversos destacamentos do Exército [...], essa imagem é o registro de um evento não antecipado nem pelo Exército nem pelo fotógrafo Flávio de Barros” (Burgi, 2015). Vemos mulheres, velhos, velhas, e crianças, entregues ao Exército, na “foto mais conhecida e mais marcante da Guerra de Canudos” (Galvão, 2001: 94).

No dia 3, Antônio Beatinho [conselheirista] com dois companheiros deixa o arraial e procura o comandante em missão de paz, para negociar uma rendição. Após o acordo, torna a penetrar no arraial e volta acompanhado por cerca de 300 pessoas, entre mulheres, crianças e velhos, todos esqueléticos, doentes, famintos e feridos, como se pode verificar pela fotografia que documentou a ocasião. (Galvão, 2001: 93)

Beatinho, e seus dois companheiros, foram degolados, sob a suspeição de terem enganado as tropas do exército – “após a entrega dos prisioneiros, o tiroteio vindo do arraial recrudesceu” (93). Mesmo destino tiveram centenas de prisioneiros, segundo Horcade, que teria presenciado “a chegada de 800 prisioneiros no dia 5, inclusive mulheres e crianças, atestando que quase todos foram degolados” (93). A foto antecede a chacina das prisioneiras – “Sua força decorre de seu caráter essencialmente frontal e direto e seu valor histórico e documental se amplifica também em função do trágico desfecho desse momento da Guerra de Canudos: a chacina dessas mulheres, homens e crianças pelas forças regulares” (Burgi, 2015).

 


Figura 8. “As prisioneiras” (encarte com fotografia, edição de 1933).

 

Na primeira edição, é um encarte com foto situado entre as páginas 626 e 627. Na segunda, terceira e décima segunda edições, está situada entre as páginas 604 e 605. Na edição de 2016, na página 545 (ver Tabela 2). O texto que antecede a fotografia na terceira edição é o mesmo que lemos na edição de 2016 (2016: 544; 1905: 604). É precisa, portanto, a co-localização texto-imagem, mesmo diferindo a paginação:

“[...] mulheres, sem numero de mulheres, velhas spectraes. moças envelhecidas, velhas e moças indistinctas na mesma fealdade, escaveiradas e sujas, filhos escanchados nos quadris desnalgados, filhos encarapitados às costas, filhos suspensos aos peitos murchos, filhos arrastados pelos braços, passando; creanças, sem numero de creanças; velhos, sem numero de velhos; raros homens, enfermos opilados, faces tumidas e mortas, de cera, bustos dobrados, andar cambaleante. (Cunha, 1905: 604)

 

V. COMENTÁRIOS FINAIS

A “tecnografia própria” d’Os Sertões, como Euclides a projeta em carta a José Veríssimo (Galvão e Galotti, 1997: 143), “corporifica-se” numa “transgressão de gêneros” (Haroldo de Campos, 1997: 53), e requer o uso de dispositivos intermidiáticos e multimodais (desenho, mapas, fotos). Como fotolivro de literatura brasileira, trata-se de nosso mais notável experimento de “literatura expandida”. Há, em Os Sertões, ao menos dois níveis de descrição que não devem ser confundidos nas análises. Sua macroestrutura, concebida como um projeto intermidiático, intercala, ao longo de mais de 600 páginas, imagens de cartógrafos-engenheiros, um desenho de paisagem, e fotos do acervo de Flávio de Barros. Ela depende da microestrutura de interações locais (texto-imagem), uma propriedade que chamamos de co-localização. A arquitetura resultante é preservada em muitas edições, especialmente nas primeiras, e negligenciada em muitas outras – “Na 7ª edição (1923), há fotografias, os mapas são policromados; os títulos das seções aparecem em folha à parte. Na 27ª edição (1968) não há mapas nem fotografias, porém desenhos de Aldemir Martins; [...] Na 28ª edição há mapas policromados e fotografias” (Simon, 2002: 87). Como explicar tal negligência?

Uma nomeação, atribuição de tipo, classe, ou gênero, parece estar na gênese desse problema, que tende a ser tratado como uma disputa meramente terminológica. Mas a atribuição de um gênero não resulta apenas na nomeação de uma classe. Um nome não é apenas uma etiqueta. Ele revela uma coleção de propriedades, normas de regulação de uma obra, ou família de obras, e um sistema, ou “horizonte”, de expectativas, porque esperamos encontrar certas (e não outras) entidades, estruturas, dinâmicas, dependendo do gênero que enfrentamos – “a história que se pode contar a respeito de uma dada obra depende do que os teóricos chamam de ‘horizonte de expectativas’ do leitor” (Culler, 1999: 66). Não nos surpreende que Os Sertões do crítico José Veríssimo não seja o mesmo que encontramos depois de mais de um século de leitura. Que Veríssimo, Araripe Júnior, Afrânio Coutinho não tenham considerado desenho, mapas e fotos sequer como artefatos submetidos às experiências transgressoras de Euclides, é fácil de compreender – a fotografia, para um crítico literário do início do século XX, é um aparato tecnocientífico de cópia da realidade, e o fotógrafo um funcionário submetido às instruções de seu uso.

Uma “disputa terminológica” também reflete uma disputa pela melhor região “ontológica histórica” (Hacking, 2009). (Uma região ontológica também constitui o “leitor” através de artefatos de observação e análise, que possuem trajetórias históricas, e que chamamos de teorias e modelos). Os Sertões, como projeto intermidiático, e como fotolivro de literatura, não existe como “fenômeno observável”, como um padrão estável e distinto de atividade semiótica observável. Isso explica o nível de contingenciamento dedicado à macroestrutura do livro, que muitas vezes exibe uma atitude casuística em sua organização, e explica o deslocamento, e a subtração, de fotos e mapas, e até sua substituição por ilustrações e fotos de outros artistas e fotógrafos. Também explica porque, ainda hoje, sabemos relativamente pouco sobre a relação entre texto verbal e fotos, mapas e desenho. E não nos referimos apenas à análise, e à história, das relações entre estes sistemas e processos multimodais, em Os Sertões, antes e a partir dele. Mesmo questões aparentemente triviais ainda são obscuras – como, e por que, três fotografias, entre quase setenta, foram selecionadas? Flávio de Barros teria participado da seleção? Em que critérios se baseiam?

A macroestrutura d'Os Sertões não tem fornecido, até hoje, informações relevantes sobre sua “tecnografia própria”, cuja ontologia histórica, e horizonte de expectativas, relacionamos, aqui, as experiências intermidiáticas e multimodais de um fotolivro de literatura. Há espaço para esta “região ontológica”, “no extenso acervo da literatura crítica de Os Sertões, tão saturado que parece deixar pouco espaço para alguma nova vereda [...]” (Augusto de Campos, 1997: 11). 

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos, pelas valiosas informações fornecidas, aos pesquisadores: Aníbal Bragança, Felipe Rissato, Noilton Nunes, Evandro Teixeira, Marcos Ribeiro, e Joaquim Marçal, a quem devemos a formulação inicial de algumas das ideias desenvolvidas neste trabalho.

 

 


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NOTAS

[1] Sobre a data suposta de seu lançamento, ver Bragança (1997).

[2] Ver <https://feeds.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0112200212.htm> [21 setembro 2021]

[3] Intermidialidade implica todos os tipos de “interrelação e interação entre mídias” (Clüver, 2007: 9).  Segundo Wolf (1999: 40-41), trata-se de um termo “capaz de designar qualquer fenômeno envolvendo mais de uma mídia”. Segundo Elleström (2019: 55), o “termo ‘modalidade’ está relacionado a ‘modo’ e esses termos também são amplamente utilizados em diferentes áreas. Um ‘modo’ é uma forma de ser ou de fazer as coisas. No contexto dos estudos de mídia e da linguística, ‘multimodalidade’ às vezes se refere à combinação de, por exemplo, texto, imagem e som [...]”.

[4] Sobre o “narrador da prosa de ficção”, no século XIX, e sua relação com relatos de viagem e com a visão pictórica dos desenhos dos paisagistas, ver Süssekind (1990).

[5] Euclides da Cunha “escreveu, de março a julho de 1897, antes de ser enviado à Bahia, seis artigos para o jornal [O Estado de São Paulo], além de dois ensaios sobre Canudos, com o título de A Nossa Vendéia” (Ventura, 2003: 152).

[6] Com a aquisição da editora Laemmert pela editora Francisco Alves, foram incorporados ao acervo da segunda os direitos autorais de Os Sertões: “Após ter sido lançada a quarta edição, foi encontrado entre os livros de Euclides da Cunha um exemplar da terceira edição, corrigido e alterado pelo autor, e com a seguinte indicação do próprio punho feita na folha de ante rosto: 'Livro que deve servir para a edição definitiva (4a)'” (Bragança, 1999: 339-341).

[7] É muito mencionado o cuidado que Euclides dedicou à supervisão das provas – “(...) ia sempre ao Rio a fim de corrigir as provas tipográficas, umas provas que nunca o satisfaziam inteiramente” (Rabello: 1966: 163). Não nos deveria surpreender que a arquitetura intermidiática e multimodal do livro se submetesse à supervisão rigorosa de Euclides.

[8] A primeira edição d’Os Sertões possui 632 páginas. As duas edições seguintes possuem 618 páginas. Da quarta à décima primeira edição, 620 páginas. Da décima segunda, diretamente consultada, até a vigésima primeira, 646 páginas. Segundo Aníbal Bragança (com. pessoal), muitas das “eventuais alterações no número de páginas se devem, em geral, ao projeto gráfico, diagramação, corpo do tipo usado, etc. Não indicam necessariamente alteração de texto”.

[9] A xilogravura foi publicada no livro de Kidder e Fletcher (1857) com a legenda “View in the province of Piauhy”. O livro ganhou novas edições, a segunda ainda em 1857, e as demais em 1866 e em 1879. Segundo o pesquisador Felipe Rissato (com. pessoal) “a obra não aparece na listagem da biblioteca de Euclides da Cunha, então não é possível saber que edição ele [Euclides] pode ter consultado, caso a escolha da imagem tenha sido dele ou mesmo de seus editores. Se foi ele, pode ter sido um exemplar emprestado ou caso pertencesse à sua biblioteca, pode ter sido extraviado entre a sua morte e o inventário, algo que ocorreu infelizmente com vários volumes”. A obra foi digitalizada pela Biblioteca Pública de Boston e está disponível para consulta. http://ia800304.us.archive.org/2/items/brazilbrazilians00kidd/brazilbrazilians00kidd.pdf [29 junho 2021].

[10] A primeira fotografia obtida em um front de batalha aconteceu durante a Guerra da Criméia (1853-1856), de acordo com o Historical Dictionary of War Journalism (1997). Roger Fenton foi o autor das imagens do conflito (Rodrigues, 2008: 1).

[12] De acordo com George Ermakoff (2001), o fotógrafo Juan Gutiérrez de Padilla foi contratado pelo Exército para registrar a vitória sobre a insurreição comandada pelo vice-almirante Custódio de Melo contra o presidente Floriano Peixoto. São 77 fotografias registrando cenários de destruição, e homens em posição de combate.

[13] Os artigos foram publicados na Gazeta de Notícias, nos dias 22 de julho de 1894, 13 de setembro de 1896, 6 de dezembro de 1896 e 31 de janeiro de 1897, na coluna A Semana.

[14] Outro fotógrafo contratado para cobrir a Guerra de Canudos foi Juan Gutierrez. Gutierrez era proprietário da Companhia Photographica, no Rio de Janeiro (rua Gonçalves Dias, 40), e havia fotografado a Revolta Armada, em 1893. O fotógrafo morreu durante os confrontos em Canudos. Segundo Ermakoff (2001: 30-31), Gutierrez faleceu no campo de batalha no dia 28 de junho de 1897 e não se conhece qualquer imagem de sua autoria (Ventura 2003: 169). Nos Sertões, Euclides refere-se a ele como um Oficial honorário, um artista que fora até lá atraído pela estética sombria das batalhas”.

[15] Em coluna do jornal Paiz, de 30 de outubro de 1897, é informado que Barros planejava uma exposição, no Rio de Janeiro, dos registros do conflito (Wanderley, 2015). Em 24 de dezembro de 1897, no Jornal do Brasil, e em 2 de fevereiro de 1898, na Gazeta de Notícias, é comunicada a exibição das fotos, por “projeção elétrica”, na rua Gonçalves Dias, 46 – “Curiosidade! Assombro!! Horror!!! Miséria!!!! Tudo representado ao vivo em tamanho natural por projeção elétrica. HOJE. Cenas de toda a guerra de Canudos tiradas no campo da ação pelo fotógrafo expedicionário Flávio de Barros, por consenso do comandante em chefe das tropas”; “crianças não pagam” (Almeida, 1997: 26).

[16] O registro fotográfico de Conselheiro, como “peça fundamental para lavrar a ata final dos conflitos”, aparece em telegrama do ministro da guerra para o presidente Prudente de Morais: “[...] De tudo se lavrará um auto em Canudos, sendo o cadáver fotografado” (Almeida, 2002: 271).