Chamada de artigos: 60º Aniversário de Strukturwandel der Öffentlichkeit

2020-11-06

Título:  60º Aniversário de Strukturwandel der Öffentlichkeit
Prazo de submissão: 31 de maio de 2021
Publicação: primeiro semestre de 2022 

Assinala-se, em 2022, o 60º aniversário da publicação de Strukturwandel der Öffentlichkeit (1962), obra de referência das ciências sociais do século XX e que é, ainda hoje, objeto de intensa reflexão. Trabalho seminal de Jürgen Habermas, com uma influência determinante no conjunto da sua extensa obra, como o próprio autor afirma no célebre prefácio à 17.ª edição alemã do livro (1990), ao reconhecer que toda a evolução da sua teoria está “menos nos seus traços fundamentais do que no seu grau de complexidade”.

Na pesquisa, apresentada originalmente em provas de Habilitationsscrihft (1961), na Universidade de Marburg e sob a direção de Wolfgang Abendroth, é identificado um tipo ideal da esfera pública burguesa, no século XVIII, em Inglaterra e em França, e, no século XIX, na Alemanha, mas cujo ideal emancipatório se projeta na análise das democracias contemporâneas. É um espaço de interação discursiva, do qual emerge a Opinião Pública sempre que se cumprem determinadas práticas (publicidade, crítica e debate) e regras de comunicação (a inclusão de todos os potenciais interessados, a abertura a temas de relevância pública e a paridade argumentativa entre os participantes). Trata-se de uma discussão (Diskurs) que tem no Público a sua grande referência: o público sujeito – nova forma de sociabilidade que é, também, o ator social que põe de pé a discussão – e o público predicado – um certo modus operandi das discussões e o seu própriolocus. Nesta dupla dimensão e a título de exemplos (com as referências a algumas das principais fontes historiográficas utilizadas pelo próprio autor), atente-se na importância dos cafés (Hans Speier), dos salões (Arnold Hauser), das sociedades de cultura (Ernest Manheim) e, de modo mais transversal, da imprensa (Stanley Morison) nessa nova forma de sociabilidade; o mesmo é dizer, para a emergência da nova esfera pública e das suas mais diretas ramificações: a comunicação pública e a opinião pública.

Mas a flecha mais certeira lançada pela obra de Jürgen Habermas, que percorreu veloz todas estas décadas até aos dias de hoje, foi a da chamada “transformação estrutural” da referida esfera pública, resultado da crescente interpenetração entre os domínios público e privado. No seu coração encontra-se a transmutação de um público que raciocina sobre cultura numa massa de consumidores de produtos culturais, e cuja origem é uma publicidade que perdeu a sua anterior dimensão crítica de ilustração, para se converter numa publicidade demonstrativa, veiculada pelos mass media, produzida pelas relações públicas e advertising, ao serviço de  interesses particulares, tanto na esfera da economia (sociedade de consumo) como da política (democracias de massa).

Strukturwandel der Öffentlichkeit não foi, contudo, uma obra consensual. Evidencia o caráter polémico que normalmente está associado à originalidade, tendo suscitado (até aos dias de hoje) a crítica de estudiosos de diferentes áreas das ciências sociais: o que fez com que a própria obra se tenha, assim, elevado a motivo maior de uma grande discussão pública de ideias no domínio das ciências sociais. Muitas dessas críticas acabaram por ser incorporadas nos trabalhos mais recentes do autor, representando no seu conjunto, sem qualquer espécie de dúvida, um impulso decisivo para a sua nova conceptualização da Esfera Pública. Faktizität und Geltung, publicado em 1992, é a expressão maior desse trabalho, no quadro de uma teoria política de grande fôlego, construída em torno da ideia de Democracia Deliberativa.

A emergência do digital e a agitação comunicacional em torno da internet representam nos dias de hoje talvez o mais importante desafio que se coloca à teoria da esfera pública – e à própria ideia de um espaço público. As potencialidades democráticas dos novos dispositivos de comunicação foram (e continuam a ser) muito exaltadas, não obstante o ceticismo evidenciado por Jürgen Habermas quanto à possibilidade de criação de uma esfera pública digital, considerando a fragmentação de públicos que lhe está associada. Mas esta é apenas uma das linhas de investigação, presentemente, em desenvolvimento. As “câmaras de eco” e as “bolhas de filtro” dos media sociais são um obstáculo à nossa capacidade de comunicar através das diferenças; o digital divide é um (novo) fator de desigualdades e, ao mesmo tempo, uma metáfora também para outras fraturas sociais, sejam estas educacionais, culturais, económicas ou políticas. Um possível caminho de saída deste labirinto passa pela aceitação da existência de múltiplas esferas públicas em rede, nas quais a sobreposição de públicos possa ajudar a ultrapassar a fragmentação descontrolada. Outros desafios prendem-se com a constatação de que a internet e os chamados media sociais nem sempre são um terreno fácil para debates caracterizados pela ausência de coerção, dada a sua conotação com práticas deliberativas incivilizadas, pautadas por fenómenos de flaming e de trolling. Na era da pós-verdade, das fake news e dos factos alternativos, as emoções tem a sua grande oportunidade de desforra sobre a razão: a viralidade – e não a verdade (crítico-racional) – é o novo dínamo que põe em movimento estes fluxos de comunicação e que serve de código de articulação às trocas comunicacionais.

A organização deste número da Mediapolis aponta bem ao coração destas mudanças comunicacionais – e ao debate que elas suscitam: a feliz efeméride que se aproxima constitui o pretexto para abrir uma grande discussão sobre o atual tecnosistema e as suas possibilidades de evolução, os diferentes usos das tecnologias e a sua relação (complexa e ambivalente) com a esfera pública, sobre a comunicação de “muitos para muitos” da internet, cindida entre um modelo de consumo e um modelo de comunidade (Andrew Feenberg). As pessoas “anteriormente conhecidas como a audiência”, nas palavras de Jay Rosen, podem hoje ser coautoras de informação, comentários e opiniões que partilham entre si, contornando deste modo o acesso desigual aos media tradicionais. Já os jornalistas passaram a incluir entre as suas fontes de informação blogues e media sociais, verificando-se um alargamento do intermedia agenda-setting quer entre meios digitais, quer entre esses e os media tradicionais, configurando um sistema mediático híbrido – a nova ecologia dos media, de que nos falam Michael Gurevitch, Stephen Coleman e Jay G. Blumler.

O mote para este número poderia, então, muito bem ser o seguinte: como melhorar a qualidade da comunicação pública? Mais comunicação pública não é sinónimo de melhor comunicação pública, ou na formulação sui generis de uma outra autora, Zizi Papacharissi, que tem sabido afirmar a sua voz sobre estes assuntos, não basta criar um espaço público para se ter uma esfera pública: um espaço públicoonline melhora simplesmente a discussão, mas uma esfera pública deve melhorar a democracia.

 

Os editores deste número, João Pissarra Esteves, Universidade Nova de Lisboa e ICNOVA, e Susana Borges, Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra e CEIS20, convidam à submissão de artigos científicos para o número 14 da Mediapolis – Revista de Comunicação, Jornalismo e Espaço Público, sobre o tema 60º Aniversário de Strukturwandel der Öffentlichkeit e que abordem os seguintes tópicos:

 

  • Conceitos de Esfera Pública
  • Comunicação Pública e Democracia
  • Público/Privado na Esfera Pública em Rede
  • Espetáculo e Entretenimento Vs Conhecimento e Esclarecimento
  • Ciberdemocracia
  • Participação Política e Net-Ativismo (entre cidadania e incivilidade)
  • Práticas Deliberativas Online
  • Vigilância e Controlo (sistemas funcionais e mundo da vida)
  • Economia Política dos Media Sociais

 

Os artigos devem ser submetidos até 31 de maio de 2021, para integrar o nº 14 da Mediapolis, referente ao primeiro semestre de 2022.